Ela não se queixa mais do tempo.
Já não parte mais da premissa de que as 
horas não passam. Porque quando elas se amontoam em dias que formam 
semanas e edificam meses até que contem-se anos, a passagem do tempo se 
relativiza. O enfoque deixa de ser cronológico. A questão não é :  “Há quanto tempo ele não está?”
 
Mas sim :  “Ele não está.”
 
Ela
 o ama. Ele sabe. Talvez conheça o verbete mas não se familiarize com o 
sentimento. Ou talvez apenas não haja reciprocidade. Talvez ele seja 
sentimentalmente imaturo. Ou ela emocionalmente ingênua. Ou um pouco de 
ambos. Talvez eles se assemelhem, sob certo ângulo. Mas há uma visível 
diferença, vista de todos os outros prismas: ele não está junto dela !
 
Ele
 está em todos os lugares. Porque não está em lugar algum. Mas, de 
certo, em simbiose entre sua alma e sua tez, ele reside. Ou talvez não. 
Ela não sabe. Não compreende como algo tão seu, tão íntimo, pode ser ao 
mesmo tempo tão inacessível, tão alheio. Ela não consegue entender. Mas 
dedica seus dias a tentar.
 
Há
 dias de trabalho. Exaustivos. Extenuantes. Abençoados. O cansaço é a 
distração suprema. O ungüento definitivo. Desvia a atenção e abranda a 
saudade.... Saudade? Saudade pressupõe a falta do que se teve, do que se foi vivido.... saudade é evocar aquilo que te faz falta ! Jogo complicado de palavras.....
 
 
Também
 há noites festivas. Há o escuro, pousada da melancolia. Há a maquiagem,
 que adultera não o rosto mas os sentidos. Há outros. Mas não ele. Não 
aquele a quem ela precisa constantemente se lembrar de esquecer.
 
As
 tardes vêm, febris e úmidas em sua maioria. Não do mormaço antevendo a 
chuva, mas das lágrimas abandonando os olhos. Porque o abandono sempre 
se faz presente em sua perspectiva? Não é uma pergunta retórica. É quase
 uma afirmação. A inconstância sentimental é seu pano de fundo. Mas ela 
persevera. Não se queixa. Lida bem com a situação. Ou tem uma vocação 
nata para a interpretação. Talvez nem ela mesma conheça a alternativa 
correta.
 
Ela
 jamais o cobraria. Ela diz que quem ama liberta. Anistia. Esse é seu 
lema. Ou seria um consolo? Semântica. Nada além de semântica. Sinônimos 
dispostos sequenciadamente. Assim como as palavras que permeiam esse 
texto. Não são de sua autoria. Talvez ela sequer esteja familiarizada 
com algumas delas, menosprezo à parte. Mas quando foi que a 
inexperiência gramatical livrou alguém da saudade incrustada nas 
sentenças? O desconhecimento a faz, se tanto, não definir precisamente 
de qual dos substantivos irradia sua dor. Nada mais. A amarga ironia é 
que a resposta vem em forma de pronome: ele.
 
Ela
 queria apenas experimentar o conforto de seus braços. E já não 
distingue se isso é um anseio ou um feixe de luz iluminando o passado. 
Que diferença faz, afinal? A memória não se contenta em apenas recordar.
 Ela extrapola situações novas baseadas em fatos antigos. Complementa 
eventos que não tiveram conclusão. O beijo que não aconteceu. O afago 
que não existiu. A presença que não se fez presente. A cumplicidade que 
não vai desabrochar. E a esperança de que essas simulações que embriagam
 suas lembranças algum dia se convertam em  realidade. Essa seguramente é a parte mais difícil de emular.
 
Ela
 não quer piedade. Piedade é para quem sofre. Ela não sofre. Ela ama. 
Ela O ama. Não sofre. Ama. Sofrer não. Amar. Ela ama. Não sofre... 
Mentaliza isso como se fosse um mantra. Até se convencer. Na vã 
esperança de que a repetição transmute a realidade. Ou até que a 
misericórdia de Deus lhe traga o sono. Ama. Não sofre. Ama...
 
E, ao final de mais um interminável dia, só há alguém consigo: ela.